um pedaço morto entranhado em ti

Te escrevo cartas de despedida. De amor pungente. De partidas minhas.

Te escrevo cartas onde toda minha essência é sentida. Minhas malas estão prontas e minhas despedidas são frequentes. Pois, em minhas linhas, posso preencher-me de lúcidos acontecimentos que, por deus, almejo. Pois – te confesso em fraqueza absoluta – não sei ou não posso, ou não sei querer, partir. Sou um pedaço morto entranhado em ti. Sou um corpo ferido que suplica pela liberdade, assim como em versos meus.

Como, menina, nunca percebeu que todas as minhas melodias são despedidas que não sei dar. Um partir que tanto desejo e que morre em mim, afogado pela covardia minha? Como não nota que meus bilhetes são modos de dizer pra que me abandones, me deixes, pois não saberei romper-me em desassossego e partir. Ainda que eu morra a cada dia que resisto e fico aqui. Ainda que me asfixie a presença minha em ti. E, ainda, que a presença tua me cause ojeriza, repúdio, um morrer em mim por nunca saber quem de fato sou, eu fico. Fico pois minhas partidas são escritas, meu humor é desvincilhado em linhas e mais linhas.

Escrevo o que me falta, me acomete e não me invade. Escrevo sobre amores e partidas, afetos e um eterno adeus que nunca, por deus, nunca sei dar. Mas hoje, pequena, hoje quero falar sobre o que de fato me invade.

Quero essas linhas borradas com minha angústia, meu algoz poético. Quero uma caligrafia de despejo, de palavras cuspidas, lacrimejadas, despejadas de mim. Pois há tanto não me confesso, não me permito, não me sinto. Porra, menina. Há tanto não sei mais sentir.

Fui inventando esse meu eu, fui me iludindo de sobrevivência. E hoje não me cabe mais ser essa repetição de.. de quê? De nada, porra. Pois não me cabe mais ser. O que sou morre dilacerado pelo que faço.

Pois, hoje, não te falo de amor. Já não te amo mais. Hoje não te falo de despedidas. Já não acredito em minhas mentiras. Hoje, ainda, não te falo de cafés e bebidas e cigarros, pois a beleza literária disso tudo morreu em minhas últimas lágrimas. Hoje, quem sabe, te falo que me emudeci, me calei, ausentei, anulei. Me tornei um rascunho de mim mesma. Me acostumei a tolerar uma vida toda escrita e pronta pra ser interpretada e vivida. Mas nunca por mim. Minha vida num roteiro que não testei, não ensaiei. Meus desejos mortos em linhas sem rima. Sem cor. Sem.

Só pra te lembrar, pequena, hoje não te escrevo sobre flores. Nem hei de escrever. Hoje a dor não virou poesia.

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