Matamos o amor 3 vezes

Matamos o amor 3 vezes.

Entre nossos dedos frios e toda a ânsia por sermos amados, entregamos um coração vazio.

A primeira vez ninguém dirá que foi mentira. Menina, os sonhos eram latentes e sua presença me era tão pulsante. Você me era desejo em chama e, por deus, quem negará que nosso amor não sobreviveu ao ápice do mais puro querermos-nos?

Eu era a mais alva essência de te desejar, e fui, minha pequena, fui o chão frio do desconcerto, fui a flâmula que envolve e dilacera todo o tipo de ser amante. E você me foi todo o eco, toda a calmaria, toda a mais casta e sórdida vontade de ser em alguém além de si mesmo. E foi. Foi em mim e em ti. Foi em nós o que nós nunca mais voltaríamos a ser. E eu sei, só eu sei como nunca voltamos. O amor caiu despetalado num chão cru, duro e mal-amado do nosso primeiro não-suportar sermos de mais alguém além de nós mesmos.

E depois fomos torpe. Num ser sujo, eu te amei. Mentira. Porque minhas falas mudas de te amar foram cada vez mais ecos de te precisar. Nada expressou o quão te quis e o pouco que repeti amar-te mais que a mim me matou. Te matou no sufoco de saber que não fui capaz de aceitar que você não me era em corpo, alma e cerne. E o pouco que te tive me matou. Pouco porque te devorar não me bastaria, nem te faria entender como te amei. E almejei despir-te do mundo e, mais do que isso, despir o mundo de você para que, enfim, houvesse rastro do quão precisante eu era. Mesmo sendo numa dor oca, mesmo sendo num vazio extremo, mesmo matando todo o meu eu, fui me costurando em suas entranhas de modo que me deixei ferir satisfeita, pois a dor que me doía vinha de você. Com seu cheiro, olhos e corpo. Com sua alma sangrando em mim, com meu corpo tilintando carências sufocantes que te esmagariam, mas ainda assim, seria pouco pra ser em você. O amor desceu entre minhas pernas e escorreu pelo chão. Como numa lágrima dolorida, matamos o amor no silêncio do exagero.

Por fim, meu medo de me ser pouco, fez com que eu me sufocasse em você. E o medo de me ser muito me afastou para evitar que você fugisse. Como se houvesse saída. Eu tentei me ser presente nas ausências e não me deixar perder de vista. Bem como tentei ser um espaço maior nas faltas, de modo que não te roubasse o ar, mas ainda assim morri sufocada no meu próprio ato. E não sabendo mais o que ser, nem como ser, eu tive um medo danado de te deixar. Sabendo que eu fui ficando tão você, me precisando tanto de sua pele quente, seus olhos doces e todos os passos seguros que sabia dar ao seu lado, eu me fui privação. Entende, pequena, entende que precisei ser tudo o que nos corroeu, precisei ser o que escapou por entre os dedos e olhos, ser os mais dilacerantes elos para, enfim, saber se era mesmo alguma coisa.

E nós matamos o amor mais três vezes.

Matamos ao negarmos, aceitarmos e vivermos. Matamos por querermos ter sido mais palavra, mais toque, mais chegada. Matamos quando fomos partidas, ecos, medos e fugas. E ao não sermos mais nada. Ao sermos exatamente isso de amarmos um ao outro. De querer ser esse ser amante que, por deus, ama mais do que a si mesmo. E eu fui quem sentiu até a última medida, se é que se pode haver medida para o amor. Mas, me diz, se eu pude me ser tão você, e você tão eu, sordidamente eu, por que o amor corroeu nossos laços? E não que o amor acabou, nada disso! Mas, diz minha pequena, como a gente aceita que ele dorme num chão duro e frio, apenas pelo desconforto de nos berrarmos que ama-se mais do que vive-se, e que te amo mais do que suporto, e que te distancio mais do que aceito, e que, por fim, me agonizo mais do que sobrevivo contigo? Me diz como deito nesse chão frio da indiferença, ainda que eu morra junto, entre pedaços seus que não me cobrem, não me servem. Ainda que seus buracos já não sejam preenchidos com minhas agonias, ainda que a paz que me rouba não te seja repleta. Ainda que o amor arda nos nossos dedos, me diz como me livro desse ser amante que corrompe o que não sou capaz de acreditar: o que te sinto é um necessitante querer-te mais que a mim, mais que suporto, mais que sei lidar. Então, de mim, te digo: me dou.

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