Fechei a janela. Num ato sutil, mas devastador, me fechei em mais um pano negro entre os olhos de quem não me vê. E, escuta minha pequena, se não pode suportar minha imagem, me deixa partir. Te peço, quase que numa súplica, que me permita desvincilhar-me destes dias frios. Deixa com que minha cama seja reconforto. Pois sua presença em mim constrói um buraco cada vez mais fundo, mais inatingivelmente sujo. E eu que me vejo nesse amor sórdido, triste, inócuo. Porque o amor é isso, um imenso egoísmo. E eu que te amo sem saber te partir. E você que me ama e me sufoca, me dói, me mata, me fere as entranhas. E você que tanto me guarda e, por isso, tanto me afasta. Menina, me deixa escorregar por entre seus braços, entre seus dedos, mas não permita que o egoísmo amante que o afeto te confere permita que tão somente você ame por nós. Pois sei, sei que manter qualquer ação amante torna-se viável apenas, e tão somente, quando de longe se ama, ou quando a proximidade repulsa o amor. A gente, soube, a gente sempre soube que permitir essas chegadas sem planos, esse querer mais do que poder, que permitir sermos mais do que uma tênue e distante admiração, terminaria enfim por nos destruir.
Você, presa na insanidade que o amor te confere, me mata numa ânsia de me proteger. Como se eu já não pudesse mais suportar – e sei que já não posso -, te imploro, me deixa sofrer de ausências. Me deixa recuperar o que resta desse eu vazio, incerto. Me deixa cair num cerne, âmago, num espaço oco de mim. Ainda que eu precise morrer de abstinência sua. Ainda que me doa, você me consome de um modo que me ausento em mim, no meu sufoco de ti, na exacerbação de tudo que me és, de tudo que me causa. Preciso voltar a me ter, ainda que isso seja menos do que nada. Ainda que o que restou desse podre eu seja uma ferida exposta, um sangue latente, seja um pedaço costurado com suas amarras.
E eu, presa no meu ato egoísta de não te ferir, me mantenho aqui. Egoistamente presente. Calada. Presa e constante nessa cena muda de um filme seu. Um filme onde só um egoísmo assente. Mas me mantenho, ainda que numa morte dolorosa, ainda que num sufocar-me, me mantenho pela dor que me causa te ferir. E te envolvo entre dedos e toques, entre a tez branca e a repulsa latente. Te prendo entre minhas amarras, te bordo em meus tecidos, e me torno só uma parede com suas manchas, com seus retratos. Não passo de um espelho manchado, um retrato mal feito. Não passo de um alguém que é exatamente por não saber mais o que ser. E sou. Sou uma repetição disso que não pode ferir o objeto amante. Isso que não pode desprezar o afeto que recebe. Sou esse eco que adere tudo que recebe, com medo do vazio, do silêncio, com medo de me tornar um eco de mim. Como se, num ato sagaz e fúnebre, a consciência de mim me assombrasse. Como se ser meu reflexo fosse por demais. Então preciso da sua cor, do seu tilintar. Preciso ter tão próximo o que me fere, se isso me afastar do que sou. E nessa sórdida consciência de que não posso suportar me ser, me envolvo nesse amor egoísta que me dilacera a alma. E ao aceitar me abandonar entre suas renúncias, te embalo, te admito, te enalteço. Me torno tão seu egoísmo cruel, esse quase-amor, quase pois você, na sua inconsistência malévola, no seu devaneio de amar, não vê que mais me fere, me suga, me mata. Não vê que acaba com o que resta de mim. Incapaz de abdicar de seu amor, pra me salvar, ainda que isso pareça me matar. Incapaz de entender que morro em mim, e morro em ti. O amor egoísta que me cerca e que dele já não sei pra onde ir. E nem se quero ir. E se quero – pois deveria querer -, não sei se posso.
Então me abandona, porra! Me parte ou me adentra, mas entenda que, ainda que todo ato de amar seja egoísta, o seu destrói toda a essência que alguma alma precisa pra viver. Entenda que, por mais que eu não me sirva, não me baste, que eu não saiba ser o que eu deveria, suas agulhas me sangram mais do que me bordam. E continuo a te pedir, ainda que numa controvérsia necessidade de me jogar aos seus pés, preciso me ocupar de mim, em mim, e tão somente pra mim. Preciso do meu egoísmo, ainda que nele não haja amor.