Tempo vivo

Acordei um pouco menos lúcida do que nos últimos tempos. Os dias têm sido árduos e os passos vagos têm perdido o ritmo. Não como alguém que sucumbe à caminhada, mas como um corpo torpe que marcha a esmo.

A vida fez seis vincos fundos em minha derme e todas as cicatrizes ainda doem, ainda escorrem um sangue que percorre os braços, pinga ao chão. Tão meu, esse líquido quente quase não me assusta mais. Percebo-o como quem se dá conta de que o cabelo cresceu demais nos últimos tempos, nenhuma surpresa devastadora.

Vivo os dias numa ânsia sôfrega de um velho escorado na terça parte da vida, mas que nunca é capaz de ver o relógio tiquetaquear. Lanço meus olhos apertados sobre os minutos que correm, mas me parecem repetir a mesma hora fodida. Meus relógios não despertam mais. Atravesso os dias como um quase humano que, por deus, não vive. Não há de ter vivido.

Achei que os tempo corridos me trariam a paz que aquela tola juventude almeja. Mais tolice ainda. Se, antes, a insegurança comia a ponta dos dedos meus, agora me arrancou os braços. Não há bolso fundo ou xícara de café que disfarce a aflição de quem se afoga na própria existência. Se é que existo.

Os dias esfriaram meus cafés e chás. Os dias mataram minhas plantas e sorrisos amenos. Os dias mancharam a cor púrpura dos olhos alheios. Sobrou o caos borrado em minha pele e a inexatidão de caminhar rumo ao nada. Feito o relógio de minha parede, persistir num esforço para chegar ao mesmo ponto de partida. Só uma hora a mais.