Este pulsar em mim

Deito mais cedo para ver se este dia maldito termina de queimar mais rápido. Deito mais cedo e cerro os olhos com força para ver se estas malditas horas que faltam para hoje virar amanhã não me findam de vez. A verdade é que o fim nunca o é de fato. É sempre um fim de mim que nunca acaba, que nunca me encerra de vez, que nunca, por deus, nunca finaliza esta dor imensa que berra por dentro de meu peito oco.

Prendo a respiração por cinco segundos a mais apenas para tentar calar o caos eufórico que alastra em minha mente. Um fim de tarde e de vida que não me acalma, por vivo de novo e de novo e mais uma vez um eterno quase acabar.

Só eu sei o quanto quase morro todo dia, e quanto esse quase é maleável e extensível. E, por deus, só eu sei o quanto me dilacero todas as vezes que minha vida se distende um pouco mais, um milímetro a mais e todo o meu eu se rasga, mas não morro – apenas quase.

Mas tudo bem, é mais um dia que vou me segurando em meus próprios pulsos. Amanhã, a vida queira. Amanhã acordo montada no ódio, revertendo-o em um motor impulsionador para recomeçar, para ser o que tenho almejado mas não sou, nunca sou, nunca fui.

Matei o amor e só me resta essa raiva incomensurável de ser o que, justo a mim, restou-me ser. Não sei, ao certo, se sou. Mas todos os dias esse meu eu me fere, mata-me sem nunca me dar fim. Então, sem amor e sem fé, resta-me seguir odiando e transformando toda essa ira que eclode em mim em um novo eu.

Amanhã.

Espelhar

Respirar fundo e aceitar que, mesmo depois de uma infinidade de meses, eu ainda estou aqui. Olho-me no espelho e sou quase o mesmo amontoado de matéria humana. Quase porque meu cansaço pesou minhas olheiras, minha pele agora esboça anos a mais que antes não eram evidentes. Quase porque o peso de dentro incomoda de uma forma estranhamente diferente.

Houve algo a mais nestes últimos meses. Houve uma espécie de esperança e medo, caos e amenidades. Nada foi doce, mas nada foi ensurdecedor. E isso, exatamente isso, joga-me no abismo do assombro. É um existir redundante, uma repetição de dias e vidas e está porra toda de ser quem sou sem nunca de fato ser. Um piloto automático de mim – logo eu, que nunca soube me ser, como ser, parei de vez de refletir. Morri por dentro, lenta e inebriante, fui me desmanchando. Na verdade, fui deixando desmanchar-me, parei de juntar meus pedaços, apenas os olhei cair e apodrecer aos meus pés. Deixei meus dedos congelarem para fora dos bolsos, deixei meus ombros pesarem, minha pele morta tocar o chão. Deixei a lástima de ser me habitar e tornar tudo breu.

Desisti, por fim, de desistir de mim. Fui apenas deixando o que restou disso que chamo de eu testar por aí, por este mundo fodido. Deixei a cabeça doer e o choro secar sozinho.

Agora, olho-me no espelho e vejo a exaustão pedir socorro. Nunca me reconheci, mas sempre tive a certeza que o ser estranho no reflexo era eu – agora, por deus, balanço a cabeça só para garantir que é mesmo meu reflexo, pisco estarecida diante do que sou. Sou um pedaço amorfo de desamparo. Sou um reflexo de minha própria inexistência. Por isso, pisco só mais duas vezes para garantir que ainda me vejo refletida, que ainda me vejo.