Tenho dormido com a porta do apartamento destrancada faz algum tempo. Fique tranquila, pois a região é segura, os vizinhos são conhecidos e ninguém desconfia que faço isso – logo eu que trancava a porta do banheiro para tomar banho mesmo morando sozinha.
É que, nos últimos tempos, tenho pensado o que aconteceria se, meio de repente, eu não acordasse. Olha só, isso não é um pré-aviso de suicídio, é só uma ansiedade, talvez fundada em razão, talvez beirando à neurose. Tenho me sentido mal nos últimos dias. Na verdade, meses. Não sei se ando bebendo demais e comendo mal ou se é esta demasiada tristeza que se instalou em meu peito.
Eu sei, sei que jurei cuidar desta materialidade corpórea, e correr no parque, e comer mais salada, e beber menos, e fumar menos, e pegar sol, e rir mais, mas a vida fodida e dolorida impede essas coisas humanas que fazem a gente, frágil que é, viver um pouco mais e um pouco melhor e.
Escuta, de novo, não quero que pense que é uma carta ou anúncio tristonho, pois se fosse você saberia, e todos saberiam. Não seria segredo. Eu só tenho andado meio cansada, com o ar pesado nos pulmões e uma preguiça de vida. Vontade ficar quietinha, aninhar-me no silêncio de casa e no caos de minha cabeça. Penso ser falta de vitamina. Minha alimentação está péssimas, e os últimos exames já não estavam bons. Às vezes, tenho um certo receio de ir dormir e não respirar mais, então penso que demorariam tempo demais para me achar, pois a porta estaria trancada e teriam que derrubá-la.
Neste apartamento caro demais para meu salário, certamente pensariam que era melhor esperar, ver se apareço ou dou notícias. Devo ter saído para alguma festa e volto em três dias. Talvez só quando o aluguel vencesse, quando há dias o porteiro não me visse, quando minha multa do condomínio já fosse maior do que o valor da porta estragada, só então eles viriam. Mas se a porta estivesse aberta desde o começo, quem sabe, achariam-me mais cedo – um corpo deitado na cama ou no sofá, quem sabe aninhado no canto da sala, na cadeira desconfortável, tentando respirar, tentando viver. Eu sei, beira à esquizofrenia, mas a solidão tem me comido a ponta dos dedos, então penso também que fica mais fácil não trancar a porta.
Acho que amanhã vou sai caminhar para ver se esse assombro diminui, pois, agora, verbalizando, parece tudo tão… tão sem sentido. Feito a vida. Isso, feito a vida e essa dor no peito, que não é infarto, é tristeza que pesa.