Tentei escrever e o papel permaneceu vazio, berrando um espaço vago e incômodo demais. Logo eu, que costumava me desfazer das palavras minhas para jogá-las com tamanha facilidade em qualquer rascunho amassado, tentei escrever e foram algumas linhas rasuradas, palavras sem sentido e um café frio ao lado.
Não que houvesse muito a se dizer. Não há. Minha menina, esses últimos anos têm sido uma sucessão de folhas rabiscadas e um corpo ausente. Queria escrever sobre aqueles velhos amores que me inflamavam o peito e faziam as lágrimas caírem com uma justificativa plausível. Eu queria escrever sobre a porra das dores comuns e das camas vazias, dos corpos que partem quando eles já estão bordados nas paredes todas, eu queria voltar a escrever das almas que atravessam a sala e partem sem olhar para trás, deixando malas de memórias e cigarros inacabados pelas mesas. Eu queria a força e a surpresa de voltar à vida e ter blusas esquecidas ao pé da cama, perfume impregnado nas paredes, na alma. Eu queria qualquer coisa que me fizesse sentir de novo. Mas nem falo daquelas besteiras de amor ou paixão um uma estadia latejante para agitar os dias mornos. Eu falo de um sentimento sóbrio e ressoado de calmaria, ainda que intenso e capaz de me trazer à vida, capaz de me tocar no corpo, alma e vísceras.
Sei, menina, que soa ridículo desejar qualquer afeto que se costure aos dedos meus, mas meus espelhos não refletem mais nada e minhas folhas brancas continuam brancas. Minhas palavras continuam vagas e perdidas e faltantes. Mentira, não são as palavras que me faltam, mas aquela ânsia incomedida e intransigente de despejá-las, de senti-las, de vivê-las. Minhas folhas brancas são rabiscadas com um não mais sentir.
E eu não me escrevo. Morta em minhas palavras e linhas e nessa porra toda. Nenhum cigarro me sustenta o vazio. Nenhum café me acorda pra vida e nenhuma bebida amarga me acalma o peito. Tenho perdido dias nesse espaço torpe e sujo que chamo de casa. Tenho perdido minhas essências e vislumbres. Se eu tivesse a capacidade de existir, estaria sentada numa esquina escura e a chuva não me deixaria acender os cigarros que você me deu. Se eu tivesse a capacidade de existir, eu me deitaria um pouco mais longe de mim mesma para ver se as noites me entregam dias melhores. Se eu tivesse a porra da capacidade de existir, eu inventava um afeto enorme para me curar, me ajudar a cobrir esse buraco sem fim em que me ajustei. Se eu tivesse alguma capacidade, eu existiria só para me sentar nas ruas iluminadas e deixar você acender os meus cigarros.