faz três anos que morri. Ou trinta

Eu te ligava às 3 da manhã de quinta e te oferecia meus últimos cigarros, menina. Tentava perceber a alegria ou o desespero e seus timbres tímidos. Entreguei minha alma num envelope sujo só para que você soubesse sobre mim. Eu que geralmente sou boa ouvinte quis, enfim, falar. Logo eu que nunca quis nada de ninguém desejei  que você me conhecesse. De corpo, alma e vísceras. Talvez mais alma, a parte suja desse meu eu.

Te contei minhas músicas preferidas, meus pecados sórdidos, me escondi debaixo de sua saia rodada e seus batons vermelhos. Me escorei em sua alma calma e ainda assim o fim foi mais breve do que deveria. Me afetuei demais talvez pela vã esperança de crer em um amanhã que nunca me veio. Mas tudo bem, uma vida não me sustenta. Não essa, ao menos.

A pior dor do não recíproco é que, porra, eu te pedia pra ficar na máxima representação de meu afeto por ti. Deus, como precisei que você ficasse aqui, ficasse em mim. Bastava você com seus risos amenos, suas falas doces, seus olhos vagos. Bastava seu perfume, sua paz e seu silêncio, então eu valeria como há tempos não valia mais.

Eu me importava e você bem-me-queria, mas só num ato de querer-me sem pretender-me. Não te culpo, menina. A vida tem dessas coisas, desses jogos confusos, dessas sensações de que a paz nos toma de repente, nos suspende em plenitude e então se esvai, se desfalece entre os dedos nossos.

Porra, eu morria cada vez que seus dias corriam bem sem mim. Eu que tanto quis que você dissesse pra eu ficar e te cuidar e me cuidar. E você muda. Precisava que me desse afeto para que, quem sabe, eu conseguisse me ter amor também. Porque é como se o afeto fosse mais presente, mais latente. Sei que não posso exigir nada, sequer uma expressão vaga e torpe de um afeto que talvez nem tenha sido amor, mas tentei desesperadamente sobreviver a mim. Minha cama, corpo e alma estavam vazios e, por um segundo ou mais, seus olhos me avivaram numa ilusão fodida. Suas não palavras me prometeram o que só eu ouvira.

Hoje te escrevo como quem confessa que abandonou a casa, o corpo e a voz. Estou muda de novo. E surda, não te ouvi. Logo eu, pequena, que sempre fui um barulho ensurdecedor por dentro. Bobagem isso. Hoje faz três anos que morri. Ou trinta. Já não sei contar e pouco me importam as contas. O fim me é uma questão de tempo e nem falsos afetos me protegem de mim.

Juro que poderia ver o desenho de seus lábios sórdidos pronunciando um pedido de estadia minha. Fica. mas não teve, porra, nunca teve estadia, nem amor. Nem você. Nem eu. Nunca estive em mim.

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